segunda-feira, 4 de abril de 2011

Não sou fã

do conto,
mas Charles Kiefer gostou e tirei nota máxima.

Não sei se foi a minha pressa para terminá-lo que fez com que o final ficasse um pouco apressado, para o meu gosto, ou se o troca-troca de temas para o texto acabou me incomodando ao final. Sei que algo nele não me agrada e não sei ao certo o que é.

Também não sei qual dos dois está equivocado; quem sabe aqui posso tirar a dúvida. Por outro lado, tem alguns elementos que eu gosto. Então lá vai.

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Sua mão firme

Eclipsaram-se as barreiras e os preconceitos assim que o mouse tocou a sua enrugada, mas firme, mão, lenta e vagarosamente, pela primeira vez, como o novo namorado quando acaricia o cabelo da menina sentada na cadeira ao lado na sala de cinema. Poderiam lhe dizer que objetos são estáticos e ele concordaria. Mouses de computador não se movem, não vão em direção à mão nenhuma. E ele concordaria. Poderiam lhe dizer que estava velho demais e começava a perder a noção das coisas se afirmasse que um objetivo estático, sem vida, participaria ativamente de uma ação. Poderiam, mas não naquele momento. Naquele dia, mesmo que o provassem, ele não acreditaria em nada, a não ser que o mouse havia tocado a sua mão.

Não era seu primeiro contato com um computador. Ele, há vários anos, já havia se rendido à tecnologia. Sua filha lhe explicara muitas vezes, enquanto ele ainda tinha forças para o confrontamento, como os mecanismos do computador poderiam ser úteis tanto na sua vida acadêmica como também para a sua escrita. Não que ele havia perdido as forças e se entregue facilmente, apenas cansara de relutar contra alguém que muito lembrava sua falecida esposa.

Continuava, sempre, indiscutivelmente, a rascunhar em seu bloco de anotações antes de passar a limpo no Microsoft Word, um dos poucos programas do Windows que sabia mexer. Corrigindo escassos e raros detalhes, nunca erros, alterando uma ou outra palavra por algum sinônimo mais adequado à linguagem daquele texto, ele salvava suas obras para, então, enviar por e-mail para o jornal da cidade.

Seus insights maravilhosos continuavam acontecendo quando deitava-se na rede, presa entre uma árvore e outra, ou então no meio do seu banho matinal, com espuma no olho e sabonete na mão, na sua caminhada com os cachorros, que há muitos anos o acompanhavam e tinham a saúde mais defasada que ele próprio gostaria de ter um dia. Nunca na escrivaninha ou na frente do computador que ganhara da filha. E como um bom homem prevenido, os seus bloquinhos de papel e honrosas canetas estavam espalhados por toda a casa: da janelinha do banheiro, ao lado dos shampoos para o cabelo, à coleira encardida do cachorro pulguento.

Naquele dia de lua cheia em que lampião ou abajur algum iluminava de forma mais intensa e completa que a rainha do céu, ele sentou-se na sacada do seu quarto, no segundo andar do chalé, para escrever, assistindo aquele formidável romance entre constelações, calmo, de banho tomado após um longo dia, possuindo uma xícara de chá em uma das mãos e um pacote de rosquinhas na outra, já a caminho da pequena mesa ao lado.

E ele fugiu. Não as rosquinhas, não o cachorro, não a deslumbrante lua. Seu insight, aquele desrespeitoso. A noite foi ficando cada vez mais gelada. O tempo foi passando cada vez mais rápido. O prazo foi chegando cada vez mais perto. E não vinha à mente dele ideia alguma de texto.

Eclipsaram-se as barreiras e os preconceitos assim que o mouse tocou a sua firme mão, em direção a uma página na internet nunca antes explorada. O sentimento mudou. Não era mais o medo que se abrigava dentro de seu peito, e sim uma coragem tremenda, uma curiosidade absurda, algo que ele só recordava ter sentido antes quando ganhou o seu primeiro livro, muitos anos atrás, antes mesmo de aprender a ler.

Após criar uma conta no Twitter, com muito esforço, as insistências por parte da filha acabaram. As agonias de quando chegava o prazo foram-se embora. As insistências por parte da editora não existiram mais.

E ele voltou. E ele conseguiu muitos seguidores. E ele voltou a aparecer na mídia, muito mais forte que já havia sido algum dia. Seus medos todos foram superados: continuou morando no seu chalé de dois andares com vista para as estrelas que nenhum apartamento em região central de São Paulo, capital, poderia fornecer. Não foi impedido nem por fotógrafos, nem por ninguém, de passear com os seus cachorros diariamente. Teve todas as razões possíveis para sonhar acordado e imortalizar na internet com a pessoa que tanta saudade sentia. Graças ao mouse que havia tocado a sua mão, lenta e vagarosamente, naquela noite gelada.