quinta-feira, 29 de julho de 2010

Reflexão em movimento

Ônibus é uma coisa engraçada. Todo esse entra e sai de corpos e energias. E calores. E esbarrões. E cheiros. Esse movimento todo mecânico. Movimento automático. Movimento quase estático. Visto de fora, de longe, é como aqueles desenhos, futuristas no passado, atuais na atualidade: muitos pequenos bonecos desenhados em Paint, um ao lado do outro, todos iguais, que é para seguir o padrão e facilitar a vida do grande boneco que está do outro lado da tela. O que há no interior deles não importa. Como eles se sentem não importa. Eles apenas precisam fazer parte de todo esse movimento para não estragar a pintura, para não despadronizar a obra.

E seguem. Têm de chegar ao seu destino, precisam, senão arruinar-se-ão suas vidas. Seus compromissos serão adiados. Eles serão julgados. Oh, meu deus. E a obra continua intacta, como nem fora planejado, mas aceito.

Até que o violão nas mãos do morador do prédio da esquina, do outro lado da rua, lhe chame atenção maior que seu tédio disfarçado de sono. E então sai de sua atmosfera intensa e pesada para se infiltrar nesse mundo. E se liberta. Passa a notar, com o som de sua música, a tia de vestido florido que está dormindo, encostada na janela. De seus cabelos vem cheiro de cuca de framboesa. Não sabe se a sonolenta senhora tem muitos netos, trabalha em uma confeitaria ou padaria, ou se apenas gosta de deliciosos lanches da tarde. Mas o cheiro lhe agrada.

E avista o cobrador, feito um garotinho orgulhoso depois de seu primeiro gol, a contar o seu tesouro. Tesouro que não lhe pertence, mas que lhe dá orgulho. Representa a ele o comprometimento que tem com a empresa a que trabalha. E assim trabalha feliz. E pára para observar o mocinho com camiseta dos Stones passando as músicas, uma atrás da outra, insatisfeito. Até que o fone direito cai do seu ouvido, e permanece poucos segundos fora. Uma música que lhe agradou e precisa ser ouvida por todos seus órgãos, não somente pelos do lado esquerdo do corpo.

Então nota a garota ao seu lado, escrevendo um bilhete, em um mundo paralelo completamente distante deste. Tenta ler suas palavras, mas as letras se confundem. Tudo se embaralha. O ônibus anda. Bruscamente o motorista freia. Tudo fica claro e silencioso. Ela lembra que tem de voltar ao trabalho.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Inconsciente-popular

Tentar fugir para demonstrar desinteresse quando, na verdade, não passa de medo e insegurança. E sabem disso. E não deixam de tentar fugir.

Quando aprendem, então?

domingo, 4 de julho de 2010

E não pensa que eu fui por não te amar

No ônibus, voltando e ouvindo Los Hermanos gritar nos seus ouvidos. Aposta que estão até olhando para ela, mas ela está usando fones de ouvido e não vai baixar o volume.

Tira o eslástico que prende seus cabelos e pega uns fios cacheados com os dedos. Enrola-os freneticamente, deixando nervosa a senhora que está no banco de trás. Ela percebe, mas não está nem aí. Continua, com mais vontade, como se fosse a sua única saída.

Nota que não é a voz de Camelo que vai ouvir em seguida. As batidas estão mais fortes e Ozzy começa a cantar, mais raivoso do que nunca. Ela não entende, mas aumenta o volume. Se esquece.

Sente vontade de fumar, mas não pode. Maldito ônibus fechado. Pensa em acender um cigarro escondida no banheiro, porém está sentada ao lado de um policial; sabe que se sentiria intimidada na volta. E o policial não desiste de olhar para o lado...

Na rua, as nuvens continuam escuras, mas o sol retorna como o parente que esqueceu o óculos no final da festa. Sua atmosfera é outra. Nem a da rua, nem a do lado de dentro dos vidros fechados.

No ônibus, voltando, ele estava voltando. Ele voltou. O sol já não importava mais. Ele estava ali. O telefone caiu no chão. Ela acordou. Los Hermanos voltou e trouxe sua normalidade de volta. Ela também não voltaria. A viagem terminou. Desceu do ônibus; a bateria acabou; Camelo calou-se. Eu vou pra não voltar é a última frase que ele lhe canta.