quinta-feira, 28 de outubro de 2010

À Primeira Vista de Uma Vida


Menino Deus. O bairro mais antigo de Porto Alegre. O bairo onde está localizado aquele prédio. Alto. Não sabe-se ao certo quantos andares, mas certamente são mais de treze. É no décimo terceiro andar que se encontram, deitados na rede. Serenos. Os dois com os respectivos olhares longe. Não nas estrelas, pois as estrelas já estão sendo visadas por muita gente nessa noite iluminada e aconchegante. Casais apaixonados e solteiros desiludidos já habitam cada espaço possível desses enormes corpos celestes luminosos.

Seus olhos estão focados é no futuro. No passado muito recente, há poucos meses, já unidos, que lhes trouxe ao presente, só os dois, e há de mantê-los juntos.

Arthur, desde criança alto e forte, descendente de família tradicional alemã. Há 4 meses com barba ralinha, por fazer, somente sendo aparada. A palavra simpatia lhe define. Maior não só na altura, tem 25 anos. Miguel, magricelo, tatuado, cabelo escuro que passa da altura das orelhas. Ainda com 24 anos. Tímido e sonhador. O encanto que lhes cercou teve início quatro meses atrás. Acreditam que foi amor à primeira vista. E foi. Mas aconteceu muito antes do que eles imaginam.

Juliana está terminando de calçar a sandália dourada de 14 cm de altura. Ao menos já está vestida. Arthur acha que devia pôr mais roupa. Vestido tão curto assim quase não tem pano para tapar o corpo. Mas a namorada do aniversariante tem de estar bonita, ainda mais em uma noite especial como essa. Arthur já está acostumado a esperar por ela. Apenas coloca uma camiseta, pega um casaco, nem escova os cabelos e está pronto. Mas é porque você é lindo, Arthur. Eu tenho que me produzir para andar ao seu lado.

Do outro lado da cidade, Guilherme envia um SMS para Miguel. “Aniversário de um amigo meu hoje à noite. O Arthur. Passo aí daqui a uma hora”. Quarenta minutos depois, sem vontade, Miguel vai para baixo do chuveiro. Deixa a água escorrer por todo o seu corpo, cansado, sem vontade de sair de casa depois de um dia inteiro de trabalho. Só está fazendo isso pelo amor que sente por Guilherme. O namoro havia passado por uma crise recentemente, então todo esforço era obrigatório. Não podia perdê-lo.

Enquanto Juliana buscava mais uma dose de vodka com energético para os dois, Arthur permanecia entre as rodas de amigos, sempre atento à porta, receptivo e muito educado. Foi neste momento que Guilherme apareceu na entrada, com Miguel atrás dele. Deu um abraço apertado no amigo, parabenizando-lhe e, logo após, apresentou os dois. Arthur e Miguel. Por alguns segundos, que para os dois significou um intervalo de tempo muito maior, hesitaram. Ficaram completamente sem reação, deslumbrados com o que viam. Se viam. Um se viu no outro. Um teve vontade de passar o resto da vida ao lado do outro. Ficaram imóveis. Imaginaram vidas juntas. Caminhos traçados. Futuros. Tudo isso em menos de 5 segundos. Tempo que para eles durou uma eternidade. Quando Juliana retornou com os copos, numa tentativa de cumprimentar Miguel, é que os dois voltaram da epifania por que estavam passando. Ao se aproximarem, para um abraço, era só o cheiro de Arthur que Miguel sentia. Arthur estremeceu quando os cabelos de Miguel passaram perto de sua orelha. Não teve vontade de soltá-lo mais. Mas Juliana já se aproximava para dar um abraço no novo amigo do seu namorado.

Passaram a noite assim, se olhando, de longe. Quando Guilherme beijava Miguel, era em Arthur que o Miguel pensava. Quando Juliana se aproximava, Arthur estranhava aquele corpo tão magro, tão curvado e doce. Feminino demais. Queria abraçar Miguel novamente. Queria sentir sua respiração. Ver o futuro em seus olhos. Sentia falta de barba no rosto de Juliana, mesmo sem nunca ter beijado outro homem. Estava lavando as mãos, quando ouve uma batida na porta. Apressa-se para liberar o banheiro logo, mas leva um susto quando vê Miguel na sua frente, colado em seu corpo. Eles entram no banheiro.

Vinte e um anos atrás. Um menino de 3 anos está brincando, sozinho, aos olhos de seus pais, entre as árvores do Parque Farroupilha. Miguel. Até que aproxima-se outra criança, sorrindo, correndo, e sem convidar, passa a brincar junto com ele. Arthur. Passaram o resto da manhã unidos, sem se importar com os animais em volta, com seus pais ou com os palhaços que passavam tentando vender bolinhas de brinquedo. Se perderam em seus mundos imaginários, apenas os dois.  Os brinquedos foram esquecidos e nada mais importava para eles. Um tinha ao outro. Miguel e Arthur, nesse dia, mal faziam ideia do que viria a acontecer com eles. O futuro que um via no olho do outro, sem se dar conta do que via. Mas gostavam. O que aconteceu com os dois naquele dia, naquele parque, acontece diariamente com todos. Sem maturidade e consciência para ter total conhecimento do que se passa, cruzamos por amores à primeira vista mais de uma vez nas nossas vidas antes deles se tornarem amores de uma vida.

Texto, bastante cru, para a disciplina de Português Aplicado à Comunicação II. A proposta era criar a partir de uma foto de desconhecidos.
Futuro ainda incerto, mas me rendeu um 9.8. Tá valendo.

Foto: BetoMR querido

1 comentários:

Josi disse...

Que texto foda!!!
Parabéns, Amanda!

Beijo!
;***